Transtorno no ônibus


Eram mais ou menos 06h37 quando a vida resolveu me passar à perna entre a catraca e a porta dos fundos do ônibus.
Eu estava extremamente cansada quando o vi no último assento ao lado da janela do lado esquerdo. Imersa em constrangimento, sentei ao lado dele com o espaço de uma pessoa enquanto permanecia fingir não o ver. Abri a mochila e peguei um livro para tentar disfarçar a sua presença ali. Lembrei-me de quando deitava no ombro dele enquanto fazíamos o mesmo percurso e, nesse meio tempo, ele acariciava as minhas mãos e depois segurava forte. Segui lendo enquanto ouvia sua voz conversando com um colega ao lado. Que tortura tremenda.
Como tudo poderia ter mudado assim? Ainda acho impossível.
Chegamos ao nosso destino final quando ele resolveu me abrir um sorriso brevemente falso. Descemos quando ele resolveu apressar os passos e passar na minha frente. Que situação perigosa.
Ele era alto, então, mesmo passando frente aos carros, ainda o via no balançar dos fios quase loiros e andar ligeiro. Fui o caminho todo me lembrando de quando fazíamos esse trecho juntos. Ele colocava o braço sobre meus ombros e andávamos sem a menor pressa. Soltávamo-nos ao passar em frente à catedral para poder fazer o singelo sinal da cruz. Rapidamente nos abraçávamos de novo e, ao entrar na escola, nos despedíamos com um beijo para que cada um pudesse entrar em sua sala. Era assim todos os dias. Tanto nos chuvosos quanto nos mais ensolarados e com o céu azul. Tudo mudou de uma forma avassaladora. Hoje somos apenas desconhecidos com uma história apagada em meio às mentiras e impasses que ele causou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário